Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo: 107/13.4TTBRR-A.L1-4 , relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO, data: 05-06-2013, disponível em www.dgsi.pt, resulta que:
"I – Se cruzarmos as normas legais que vigoravam à data do estabelecimento da cláusula em análise com as funções que a Requerente se comprometeu a desempenhar - Operadora Ajudante 1.º Ano - e a noção, ainda que progressivamente modificada e/ou alargada, do local de trabalho, não se encontra justificação jurídica e laboral para uma indefinição geográfica como a consagrada na referida cláusula aberta, pois a atividade da trabalhadora era desenvolvida numa única loja ou área comercial e não externamente, com carácter itinerante e em diversos estabelecimentos, quer da Requerida como de terceiros, que impusesse ou, pelo menos, implicasse a sua circunscrição ao Distrito de Setúbal.
II – Tal cláusula só será válida se for juridicamente encarada no sentido da obrigatoriedade de prestação das atribuições próprias da categoria acordada num único e efetivo local, a saber, na loja do Montijo, onde desde o início da execução do vínculo laboral dos autos, a mesma desempenhou funções.
III – Nessa medida, quer para efeitos de interpretação jurídica e inicial da menção contratual «no estabelecimento da 1.ª outorgante no Distrito de Setúbal», quer, numa perspetiva diversa, para efeitos de integração ou definição complementar da mesma, em termos materiais e jurídicos, tem de encarar-se a referida loja do Montijo como o único local de trabalho da Requerente.
IV – A segunda parte da referida cláusula (possibilidade de transferência) já caducou, tendo, nessa medida, deixado de vincular juridicamente a recorrente, nos termos da norma constante do número 2 do artigo 194.º do Código do Trabalho de 2009, dado a recorrida só ter acionado a mesma cerca de 2 anos e 8 meses depois da entrada em vigor desse diploma legal.
V – O facto da trabalhadora se ter mantido na referida loja do Montijo durante cerca de 18 anos, criou na mesma a legítima e natural expetativa de que a Requerida, não obstante a existência da dita cláusula de transferência, já não tinha intenção, ao fim de quase duas décadas de imobilidade ou permanência da recorrente naquele local de trabalho, de a acionar, reconduzindo-se a uma situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil, a sua inesperada e extemporânea ativação.
VI – A fundamentação referida no número 2 do artigo 196.º tem de especificar e concretizar, com um mínimo de detalhe e objetividade, os motivos (reais e verdadeiros) que impõem ao empregador a aludida transferência definitiva.
VII – Cabe ao empregador o ónus de alegação e prova da inexistência de prejuízo sério no quadro de uma transferência definitiva ordenada ao abrigo do número 1, alínea b) do artigo 194.º do Código do Trabalho de 2009 (redação original).
VIII – Um acréscimo/gasto diário de cerca 3 horas e 45 minutos em transportes, deslocações a pé e tempos mortos a aguardar pelo início do trabalho ou por aqueles mesmos transportes (para mais e em parte, a horas tardias, sem grande circulação de pessoas e, por isso, mais perigosas para a Requerente), quando estamos face a uma trabalhadora que tem problemas de saúde (depressão e agorafobia), que são suscetíveis de ser agravados com a dita transferência, e que sempre laborou, no mesmo local de trabalho, situado a 8 minutos da sua residência, ao longo de 18 anos, tendo organizado a sua vida profissional e pessoal em torno dessa rotina, constitui um sacrifício inexigível e irrazoável para a Apelante, que demonstra suficientemente uma situação de prejuízo sério.
IX – Mostram-se, nessa medida, reunidos os requisitos de que o legislador faz depender o decretamento das providências cautelares não especificadas, sendo de decretar, nessa medida, a suspensão da ordem de transferência definitiva da trabalhadora. (Elaborado pelo Relator)" - conforme se pode ler no sumário.
Ora, há que referir que «o local de trabalho é, em
geral, o centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador e a
sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no
espaço as obrigações e os direitos e garantias que a lei lhe reconhece».[1]
O artigo
129.º n.º 1 alínea f) do CT de
2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (que não sofreu qualquer
alteração com a Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho), consagra como garantia do
trabalhador a proibição do empregador o transferir para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos no
próprio CT, em instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho,
ou ainda quando haja acordo.
Deste modo, há um princípio da proibição de
transferência para outro local, sujeito aos desvios acima referidos, e que se
funda na «[…] necessidade de assegurar estabilidade (sob esse ponto de vista) à
posição profissional do trabalhador, com reflexos na sua vida familiar e
social».[2]
Há assim um reconhecimento da necessidade de
assegurar alguma estabilidade ao trabalhador, permitindo-lhe organizar a sua
vida, reconhecendo-se a importância que o local de trabalho representa enquanto condicionante da sua esfera pessoal.
No entanto, esta não é uma regra
absoluta. Na verdade, o princípio da inamovibilidade comporta importantes
desvios, que decorrerem do artigo 194.º.
Esses desvios prendem-se com «[…] o
carácter duradouro e a componente organizacional do contrato de trabalho [que]
determinam a necessidade de se preverem
alterações ao local inicialmente acordado pelas partes para o desenvolvimento
da actividade laboral […]».[3]
Ainda, há que referir «[…] a
importância (…) do local de trabalho do ponto de vista da flexibilização do
Direito do Trabalho.»[4]
Daí, a diminuição do poder garantístico das normas sobre o local de trabalho,
umas das áreas que tem merecido maior flexibilização interna do vínculo
laboral.
Nos termos do artigo 194.º do CT, sob
a epígrafe “transferência de local de trabalho”
e na parte que aqui interessa, o empregador pode transferir o trabalhador para
outro local de trabalho,
temporária ou definitivamente, em caso de mudança ou extinção, total ou
parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço [n.º 1, alínea a)] ou
quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não
implique prejuízo sério para o trabalhador [n.º 1,
alínea b)].
Atente-se que o trabalhador membro de estrutura
de representação coletiva dos trabalhadores não pode ser transferido de local
de trabalho sem o seu acordo, salvo quando tal resultar de extinção ou mudança
total ou parcial do estabelecimento - artigo 411.º n.º 1 daquele diploma.
Neste caso, o empregador deve comunicar a
transferência do trabalhador à estrutura a que este pertence, nos termos do n.º
2 do artigo supra referido.
O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento – artigo 194.º n.º 4 do CT.
Quanto a estas despesas, o legislador
alargou o âmbito da anterior legislação, responsabilizando o empregador pelo
pagamento de despesas indiretas ocasionadas com a mudança do local de trabalho.
Nos termos do artigo 194.º n.º 5
do CT, no caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o
contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação
prevista no artigo 366.º do
mesmo diploma, isto é, à compensação por despedimento coletivo.
O procedimento em caso de transferência do
local de trabalho consta do artigo 196.º do mesmo diploma legal.
Quer a mudança definitiva, quer a mudança transitória do local de trabalho de um trabalhador estão sujeitas aos requisitos substanciais cumulativos enunciados na alínea b) n.º 1 do artigo 194.º do CT, sendo eles:
Quer a mudança definitiva, quer a mudança transitória do local de trabalho de um trabalhador estão sujeitas aos requisitos substanciais cumulativos enunciados na alínea b) n.º 1 do artigo 194.º do CT, sendo eles:
- “quando outro motivo do
interesse da empresa o exija”, isto é, a mudança deve ser justificada pelo
interesse da empresa.
Este requisito deve ser apreciado em termos objetivos, ou seja, como um interesse de gestão, o que não se pode confundir com as «conveniências pessoais do empresário»[5]. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 196.º do CT, quando o empregador comunicar a transferência em causa ao trabalhador deve nomeadamente fundamentá-la, sendo que é nisso que consiste a justificação objetiva a que se faz referência.
Esta exigência é fundamental, nomeadamente para vedar ao empregador o prosseguimento de outros objetivos como por exemplo situações de assédio moral ou de sanção disciplinar que poderiam levar o trabalhador a promover a cessação do contrato de trabalho.
Este requisito deve ser apreciado em termos objetivos, ou seja, como um interesse de gestão, o que não se pode confundir com as «conveniências pessoais do empresário»[5]. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 196.º do CT, quando o empregador comunicar a transferência em causa ao trabalhador deve nomeadamente fundamentá-la, sendo que é nisso que consiste a justificação objetiva a que se faz referência.
Esta exigência é fundamental, nomeadamente para vedar ao empregador o prosseguimento de outros objetivos como por exemplo situações de assédio moral ou de sanção disciplinar que poderiam levar o trabalhador a promover a cessação do contrato de trabalho.
- “a transferência não
implique prejuízo sério para o trabalhador”.
O conceito de «prejuízo sério» é indeterminado, sendo que deve ser entendido como uma consequência hipotética ou virtual da transferência.[6] Como denota MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 453, «quando, no art. 194.º/1 CT, se emprega a expressão “não implique prejuízo sério para o trabalhador”, está-se a significar que a transferência não deve ser de molde a, face às circunstâncias concretas, provocar tal prejuízo».
O conceito de «prejuízo sério» é indeterminado, sendo que deve ser entendido como uma consequência hipotética ou virtual da transferência.[6] Como denota MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 453, «quando, no art. 194.º/1 CT, se emprega a expressão “não implique prejuízo sério para o trabalhador”, está-se a significar que a transferência não deve ser de molde a, face às circunstâncias concretas, provocar tal prejuízo».
Assim, o que está em
causa é um juízo antecipado de probabilidade mas que implica ter em
consideração elementos de facto atuais concretos, como por exemplo as condições
de habitação, transportes disponíveis, situação familiar, nomeadamente situação
profissional do cônjuge ou de outros membros do agregado familiar, a medida das
compensações financeiras que o empregador oferece, etc.
Deste modo, a natureza e
a extensão do «prejuízo sério» só podem ser aferidos tendo em conta a situação
concreta do trabalhador, não sendo possível definir em termos abstratos e
gerais o que é o «prejuízo sério».
Como denota MONTEIRO
FERNANDES, ob. cit., p. 453, «a mesma transferência pode ser prejudicial para
um trabalhador e vantajosa para outro». Tudo vai depender do confronto in casu entre as características da
alteração unilateral do local de trabalho e as condições de vida do
trabalhador.
O que é certo, e nesse
sentido se pronuncia a maioria das jurisprudência e doutrina, é que o «prejuízo
sério», aferido nos termos acima referidos, tem que ter subjacente desvantagens
económicas e/ou pessoais para o trabalhador e não meros inconvenientes ou
incomodidades de ordem subjetiva.
A título de exemplo, pode fazer-se
referência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/04/2011, Relator:
Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve em
parte:
«5. O prejuízo sério há-de consistir
num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado
de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do
trabalhador visado».
Ainda, veja-se o Acórdão do Tribunal
da Relação do Porto, de 26/03/2012, Relator: Paula Leal de Carvalho, disponível
em www.dgsi.pt, cujo sumário também se transcreve, em parte:
«III - No caso, tal prejuízo sério ocorre tendo em conta que a
empregadora transferiu definitivamente o trabalhador da Trofa para Alenquer
quando este prestava o seu trabalho, há cerca de 15 anos, naquele local, perto
de casa própria onde residia com sua mulher face à distância entre as duas localidades
e acarretando-lhe tal transferência um acréscimo de custos, não apenas nas
viagens que viesse a efectuar entre as duas localidades, mas também na
manutenção de duas residências, tanto mais não tendo a empregadora dito-lhe
(ou, pelo menos, disso não ter feito prova), que lhe asseguraria o pagamento do
acréscimo de custos, e quais, da mudança de residência».
Mas é preciso reter que «[…] a mudança para um local mais distante da residência do trabalhador não configura, por si só, um prejuízo sério, mas tal prejuízo já existirá se essa mudança for para uma região distante, onde o trabalhador não possua alojamento, por exemplo […]».[7]
Por último, no que diz respeito ao ónus da prova do «prejuízo
sério», este recai sobre o trabalhador, cabendo-lhe alegar o prejuízo sério
para obstar à transferência em causa, até porque o prejuízo diz respeito a
condições de vida pessoal (já se viu que o que se tutela são precisamente os
interesses pessoais), que o empregador não tem obrigação de conhecer.
[1]
FERNANDES, António Monteiro – Direito do
Trabalho – 15.ª Edição, Almedina, pp. 444 e 445.
[2]
Idem, p. 445.
[3]
RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Direito
do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais – 3.ª edição
revista e actualizada, Almedina, p. 480.
[4]
Idem, p. 481.
[5]
Idem, p. 482.
[6]
Neste sentido, veja-se nomeadamente XAVIER, Lobo – O lugar da prestação do trabalho – ESC n.º 33, p. 48.
[7]
RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Direito
do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais – 3.ª edição
revista e actualizada, Almedina, p. 483.
A imagem poderá ter direitos de autor.
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